terça-feira, 20 de dezembro de 2011

NATAL EM SELADA DAS PEDRAS

Em plena semana natalícia, o blog de Selada das Pedras apresenta um post algo diferente do habitual. Trata-se de um conjunto de recordações que alguns seladenses partilharam sobre 'o Natal vivido na nossa aldeia'.


Para também manter o misticismo e a magia da quadra, os interlocutores e as personagens das diversas narrativas ficam no anonimato. Algumas situações são engraçadas, outras são mais sérias, mas o certo é que todas ilustram o quanto o Natal ganha encanto e se torna mais especial quando é passado em Selada das Pedras...

A todos os que amavelmente colaboraram para a realização deste post, aqui fica registado um agradecimento. E a todos os seladenses (naturais e descendentes), bem como aos visitantes do blog, associados do Grupo Regionalista de Selada das Pedras (GRSP) e amigos da terra, ficam os votos de um Feliz Natal, da parte do Blog e do GRSP.

Agora conheçam meia dúzia de memórias natalícias e divirtam-se na leitura...

AS TRADICIONAIS MATANÇAS DO PORCO

"Venho aqui partilhar uma antiga tradição natalícia de Selada das Pedras: a matança do porco. Este foi um ritual festivo que aconteceu durante muitos anos na nossa aldeia. As pessoas compravam os porcos no mercado, quando ainda eram pequenos, e criavam-nos durante o ano inteiro. Quando chegava a altura do Natal, um ou dois dias antes, as pessoas juntavam-se para a matança do porco, trabalho que era efectuado pelos homens na parte da manhã. Depois, utilizava-se a carqueja para queimar o pelo, abria-se o porco e 'desmontava-se', retirando-lhe tudo o que era comestível. Ao fim da tarde fazia-se a festa, com comida, bebida e música. Era feito um petisco com as febras e os torresmos do porco, acompanhados por broa, filhós, queijo, presunto e vinho. Ao mesmo tempo, havia quem tocasse guitarra ou concertina. Era uma alegria! Matavam-se cinco a seis porcos na aldeia, chegando-se, em alguns casos, a matar dois por casa. O presunto era salgado e o resto da carne ficava para comer ao longo do ano."

MENINAS ABANANADAS

"Há uns anos ia sempre passar as férias de Natal à terra. Naqueles dias éramos 15 pessoas lá em casa e muitas histórias se ouviam. As que os adultos mais nos contavam eram aquelas em que diziam 'no nosso tempo não tínhamos presentes'! Para eles, os presentes eram peças de fruta, normalmente laranjas. Segundo eles, aquelas laranjas eram grandes, muito saborosas e com cheiro agradável. Perante isto, eu e uns primos lembrámo-nos de ir “roubar" fruta à nossa fruteira para oferecer na Noite de Natal e, assim, para poderem recordar maravilhosos tempos do passado que recordavam com tanta saudade! Eu e uma prima, lindas meninas, demo-nos ao trabalho de escolher a fruta preferida de cada um e embrulhámos as diferentes peças em folhas de jornal, penso eu, e colocámo-las debaixo da cama dos meus pais. Para um tio, embrulhámos uma banana e, na noite de 24, quando fomos buscar os presentes tivemos uma surpresa: ao pegarmos na banana, sentimos que ela estava muito mole e pensámos que tinha apodrecido e que estávamos tramadas. Ainda ponderámos entregá-la assim, mas não o fizemos. Abrimos o presente e vimos que tinham descoberto o nosso brilhante esconderijo: alguém comeu a banana e encheu a casca com papel e voltou a embrulhá-la!!! Risada geral durante algum tempo, mas não nossa, é claro! De vez em quando esta situação ainda é recordada."

COMER 'GATO POR LEBRE'

"Antigamente era habitual deslocar-me à terra com os meus pais na quadra natalícia. Recordo-me com saudade desses Natais da minha infância, passados na aldeia em convívio familiar na casa dos meus avós. Num dos jantares que aconteceram nessa época, a refeição era coelho. Para mim, essa era a pior coisa que me poderiam dar para comer. Não por não gostar do sabor, mas pelo facto de eu achar uma atrocidade comer um animal tão simpático como o coelho. Eu era incapaz de cometer tal crueldade. Sabendo dessa minha mania, um tio fez questão de, antecipadamente, salientar que íamos comer um saboroso franguinho. Eu comi tudinho, por sinal bastante bem até, e talvez até tenha repetido, já não me recordo. O que eu não sabia é que estava a comer 'gato por lembre'! É que, ao contrário do que pensava, eu estava mesmo a deliciar-me com as belas perninhas do coelhinho e não do frango. Ainda hoje o meu tio relembra esse episódio várias vezes. Como é fácil enganar uma pobre e inocente criancinha...!"

NATAIS POBRES MAS RICOS EM ALEGRIA E PINTADOS DE BRANCO

Recordo com saudade alguns Natais em que era criança e vivia na aldeia. Já lá vão quase 50 anos. Eram Natais vividos na pobreza, com pouco, ou quase nada, mas ricos em alegria. Apesar das dificuldades, a quadra do Natal era vivida de forma mais alegre do que hoje em dia. Na manhã do dia 25, eu e os meus irmãos acordávamos e íamos a correr para a lareira, para ver se o 'Pai Natal' tinha descido pela chaminé e deixado alguma coisinha para nós. Aquando o Natal calhava numa sexta, dia seguinte ao mercado, ainda tínhamos a sorte de termos lá um bolo de três tostões. Fora isso, ou não tínhamos lá nada ou então tínhamos lá uma laranja. E havia ainda outra característica diferente dos dias de hoje: a neve. Naquele tempo, a aldeia estava coberta de neve, toda branquinha, o que tornava o ambiente ainda mais especial. Fosse como fosse, a alegria nunca faltava. Por exemplo, no dia de Ano Novo, todas as pessoas da aldeia juntavam-se em casa de alguém para um convívio engraçado, no qual cada um contribuía com algo para a mesa, como chouriços das mais diversas qualidades, farinheira, pão, broa ou vinho, etc... Eram períodos festivos muito especiais."

A MASSA DAS FILHÓS...

"Infelizmente, por diversos motivos, agora não é muito habitual passar o Natal em Selada das Pedras, mas há uns anos, na década de 80, era costume ir lá com os meus pais neste período. Ficávamos em casa da minha avó e era uma alegria ter a casa cheia de familiares, tios e primos. Recordo-me de andar na brincadeira com os meus primos pela sala dos meus avós, enquanto na cozinha as mulheres da casa se dedicavam às lides culinárias. As tradicionais filhós não faltavam e enquanto as faziam, eu e alguns primos, íamos dando uma vista de olhos, na esperança que nos tocasse um bocadinho de massa. Como eu adorava aquela massa... Lembro-me também de deixarmos os sapatinhos por baixo da chaminé na noite de 24 e de acordarmos ansiosos no dia de Natal e irmos prontamente a correr direitos ao sapatinho para descobrir o que tínhamos recebido. Foram tempos longínquos, mas que permanecem na memória. O Natal é uma época mágica, sobretudo para as crianças, e vivido na terra tem outro encanto."

A COMIDINHA DA AVÓ E AQUELAS LARANJAS...

"Longe vai o tempo, seguramente há mais de 20 anos, em que uma passagem por Selada das Pedras por altura do Natal era um hábito. O facto de ter os meus avós paternos a viver na aldeia, era o motivo que mais pesava para que uma ida a Selada das Pedras. Muito do meu tempo de criança passou por lá e lembro-me de percorrer os caminhos e veredas da aldeia, sempre que o estado do tempo permitia. Recordo-me de aproveitar para comer umas laranjas acabadas de colher das laranjeiras e sempre tive a impressão de que as laranjas de Selada das Pedras eram as melhores, doces e muito sumarentas. Naquele tempo, o lazer era sinónimo de conversas junto à lareira e não num sofá em frente à televisão. A cozinha era, sem dúvida, a divisão mais importante da casa. Embora sendo bastante escura, com pouca iluminação natural, era aí que a minha avó fazia as deliciosas refeições com que nos brindava. Desde que os meus avós saíram de Selada das Pedras, as visitas à aldeia são raras. Geralmente, vou lá apenas uma ou duas vezes por ano e o Natal continua a ser uma época mais propícia a uma passagem pela aldeia."